terça-feira, 20 de abril de 2010

Livros, âncoras e naufrágios



No próximo dia 28 acontece o relançamento do meu segundo livro e já faz alguns dias que me faço a mesma pergunta. Uma pergunta que é chata e que não é exatamente “Por que se escreve um livro?”, mas sim “Por que se vai ao lançamento desse livro?”. Nada parece ser fácil na vida de quem escreve. Desde a idéia da história, o momento de escrever até a hora de mostrar publicamente o que foi escrito: tudo parece meio atormentado. Mas o lançamento, penso e tenho quase certeza, é a fase negra de todo o processo. Tem uma coisa de naufrágio, de certeza de que o navio está por naufragar e você não pode fazer nada. Apenas sorrir e deixar a água entrar por todos os cantos. Isso ocorre por vários motivos.

Primeiro, porque não posso obrigar ninguém a ir (ninguém pode entrar aos empurrões no navio para “morrer” comigo), nem posso muito menos medir amizades a partir de ausências. As pessoas têm o direito de se fazerem ausentes, mas, inevitavelmente diante dessa ausência legislada, eu fico me sentindo como aquele morto que ninguém respeita, que trocaram pelo último capítulo de uma novela qualquer ou que empurraram do barco por pura diversão. Ou que só é lembrado como mais um dos mil corpos afogados na grande tragédia marítima que será esquecida na semana seguinte.

Segundo, porque quem vai ao lançamento, da mesma forma como poderia por direito não ir, pelo mesmo direito pode não comprar o livro. Então deixo de ser um morto abandonado no mar e passo a ser uma espécie de observador angustiado das mãos alheias. Não que eu deseje desesperadamente que as pessoas comprem o livro (não é isso, sinceramente), mas é impossível não olhar para as pessoas e logo em seguida para suas mãos e daí constatar que, se foram ao velório do afogado, esqueceram-se de levar flores para atirar ao mar.

É de fato uma morte o lançamento de um livro: sorriso cadavérico, frio no corpo inteiro, mãos que tremem sem parar e a incerteza de que o coração não agüente até o final do evento, ou mesmo antes dele. A respiração também pode parar no meio da luta contra as marés. Agora mesmo, sinto uma aflição, uma espécie de pânico que só me faz pensar que talvez o melhor seja não escrever nunca mais ou então me tornar logo um daqueles escritores estranhos, que não se importam em parecer sempre desacordados ou já meio mortos, meio aguados demais: os olhos vermelhos e sonolentos de quem vive consternado ou sempre pronto para chorar. Seja como for, lá está a água de novo: dos olhos para os pés ou dos pés para o corpo, até os cabelos.

É uma morte aguada (e não pode ser outra coisa) essa morte que antecede ao lançamento e que me obriga a andar em ponta de pé e com o nariz sempre apontado para cima que é para não afundar no meio da casa. E, ao me proteger dessas ondas de ansiedade que vêm e vão, eu me pergunto aos botes invisíveis que seguem distantes de mim, bem aqui nesse quarto: Por que ainda me obrigo a isso, por quê? E por que ainda obrigo os outros a estarem lá, de mãos vazias ou não, tentando ou não me resgatar para cima de um escombro qualquer? Eu poderia simplesmente renegar a essa coisa toda de escrita e me abraçar à âncora. Não deve ser tão difícil fazer isso ou deve ser mais fácil do que a tarefa de orgulhar-me de mim mesmo por ter apenas escrito obcecadamente sobre mim, sobre livros, âncoras e naufrágios.

Quem não me conhece, quem não conhece escritor nenhum, deve pensar que o lançamento é o momento mais feliz da vida do infeliz que decidiu se por a escrever e lançar-se (ao mar?). E talvez até fosse, se não houvesse tanta reflexão e pânico: vontade de fuga, de nadar e nadar para o Triângulo das Bermudas mais próximo, de ver o tempo correr desesperado para finalmente presenciar as pessoas, sob um direito quase divino, retornarem para suas casas, mais salvas e enxutas do que o escritor que, com seu sorriso de cadáver inchado de tanta água, permanece na livraria, boiando entre seus livros não vendidos.

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